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Vou mostrando como sou, e vou sendo como posso. Insta: @danielrprj

28 de dezembro de 2024

A Hora do Jantar

 

Na mesa os pratos, ilhas separadas,
sustentam verbos nunca pronunciados.
Entre garfo e olhar, vozes caladas,
ficaram na travessia, naufragados.

O pernil traz as vísceras expostas,
um cheiro de risadas já perdidas.
Quem não deseja as bênçãos mais compostas,
família unida e as bocas bem servidas?

Mas unem-se tão só pela comida,
pela luz morna em ouro do candelabro,
pelos minutos, glutonaria da vida
que devoram a fala em seu cinzento nababo.

Silêncio reina, frio como altar.
Bem-vindos.
É a hora do jantar.

 
Daniel André.

27 de dezembro de 2024

Nos Olhos de Hórus

 


Nos olhos de Hórus,
retina em flor 
gotejada por emoções latentes,
como a energia vital
de um peito que já sangrou,
mas hoje pulsa vida,
livre do mal.

Rios transbordam amor.

Amar é rito profundo.
Surge do pântano,
na lama espessa do mundo,
e ainda assim floresce 
lento, silencioso,
mas pleno de luz.

Na cortina sagrada do céu,
o amor é sol que desperta,
pétala que flutua serena
no horizonte claro da mente desperta.

No olhar-falcão de Hórus,
o amor renasce
como flor de Lótus que rompe o escuro,
nascimento de mundos
acolhidos no abrigo
de um peito seguro.

- Daniel André.

26 de dezembro de 2024

Poeta Do Vazio

 

As estrelas piscam, caladas.
Lá fora, risos.
Aqui dentro, um eco que dança sozinho.

É Natal.
A neve cai sobre lembranças
que não voltam.

Brindo ao vazio,
meu velho companheiro,
com um copo de vinho
e um resto de esperança.

A lua, cúmplice discreta 
me observa sem piedade.
Na quietude, descubro:
a solidão também é festa,
quando a alma se convida.

- Daniel André

1 de julho de 2024

Escola em Silêncio


Na escola vazia, um eco sem cor,
sem risos, nem passos, nem sons no ar.
As salas repousam, sem ensinar,
ausente o bulício, presente o torpor.

O quadro, sem giz, perdeu seu fervor,
carteiras caladas, sem traço a traçar.
Na cantina, o cheiro parou de dançar,
e os livros repousam sem leitor ou leitor.

A alma do prédio, cansada, adormece,
espera o retorno de toda energia
que só o aluno, ao chegar, oferece.

Sem a alegria de cada poesia,
de descobertas que a mente enriquece,
as férias parecem calar a magia.

Daniel André

23 de junho de 2024

Madrugada

 


Ainda é madrugada.
Dois corpos de ébano 
robustos, inteiros 
caminham ao sabor do vento.
Pés que sambam no asfalto quente,
em ritual com as sombras
e a lua cheia ardente.

Viajantes do tempo suspenso,
onde o real toca o sonho,
e o sonho se torna concreto,
como as fugidias lembranças
que ainda sussurram no peito.

Seus olhos:
mapa de uma África não esquecida,
cheios de histórias,
de uma diáspora que ainda pulsa.
Herdeiros de deuses,
e de rainhas caladas no tempo.

E de madrugada,
dois homens negros
se recusam a ser apenas poesia escrita.
Eles andam.
Eles são.
Na rua 
uma revolução sem grito,
apenas o som da ousadia
em silêncio.

(A fumaça sobe...)

 
Daniel André

6 de junho de 2024

Persona non grata

 

Em tempos de dor e desespero,
um grito sem voz rasga o silêncio:
genocídios marcham sob a névoa do cinismo,
e a justiça, cega, tropeça em escombros.

A vida, frágil joia entre destroços,
ainda brilha no olhar dos que resistem.
A paz — sonho desacreditado —
cobiça de quem só conheceu ruína.

Terra exausta, uma nação sem rosto,
onde o Estado é miragem e o abrigo, trincheira.
Mísseis de ódio riscam o céu,
mas a esperança insiste em nascer entre ruínas.

Famílias se partem feito espelhos ao chão,
em um mar de lágrimas que nunca seca.
E quem ousa sentir, denunciar, amar —
vira "persona non grata", um incômodo vivo.

Mas há quem escolha não desviar o olhar,
abraçando a dor alheia como se fosse sua.
Pois enquanto houver um coração que sangra junto,
há resistência, há empatia, há futuro.

Daniel André

10 de fevereiro de 2024

Vitrine da Solidão

A carência voraz, desgovernada,
e a ânsia de ser visto com desejo
assassinam sentimentos outrora nobres,
restando apenas a carne exposta,
à mostra, em leilão silencioso.

Genitálias em oferta, corpos vitrificados;
na câmara fria do prazer sem rosto,
afetos são abatidos ainda vivos,
o toque serve ao impulso, não à alma,
e a conexão morre antes de nascer.

Cortes limpos, desejos dilacerados,
tudo embalado a vácuo
em telas profundas de solidão.
Corações cansados e mudos assistem
selfies mendigarem orgasmo por curtidas.

E sem saber, também sou mercadoria:
parte do balcão digital das paixões plásticas,
instinto em alta, alma em ruína,
enquanto o amor, desalojado
perde-se ao vento, sem data de retorno.

 Daniel André