Quem sou eu

Minha foto
Vou mostrando como sou, e vou sendo como posso. Insta: @danielrprj

21 de julho de 2013

Cidade em Vigília


A cidade de pernas abertas
deixa correr as horas varridas,
e é no silêncio da madrugada
que penetro sua limpeza despida.

As ruas estão nuas, despojadas,
sem vitrines, sem vaidades,
sem vozes que vendem certezas,
sem disfarces nem caridades.

Na frieza de cada beco,
lâmpadas se afogam na neblina.
Um corpo estendido sobre jornal,
enquanto na esquina —
um cartaz anuncia
uma peça que ninguém assiste.

Travestis e prostitutas, bem vestidos,
guerreiam o ponto, o tempo, os desejos,
fazem da calçada sua trincheira
até o sol nascer,
e a hipocrisia cobrir o dia.

Na praça, uma santa vigia
cercada de velas e fitas de fé —
umbanda, catolicismo, esperança.
Ali, todos são um só,
sem partido, sexo ou propaganda.

Os prédios antigos fingem modernidade,
mas denunciam histórias nas rachaduras.
E eu, vigia da noite, observo tudo —
porque nas ruas cruas,
o presente se mascara de passado
com uma elegância
que só a decadência sustenta.

Daniel André

16 de julho de 2013

Confissões de um Cão Apaixonado

Levanto as orelhas, ouço teus passos —
estalos que tremem o chão.
Fico em festa só de sentir tua chegada,
latindo alegria,
porque sou teu cão.

Deito no teu colo sem cerimônia,
manhoso ao toque dos teus dedos.
Nem invento moda quando estou sozinho —
fico só sonhando
em silêncio e segredos.

As migalhas que deixam tua mão
alimentam mais que o estômago —
alimentam um coração que fantasia,
que se fortalece só com tua companhia.

Farejo teus sentidos no ar,
teu cheiro nunca sai da memória.
Nem as pulgas do ciúme
me fariam esquecer nossa história.

Rosno quando se aproximam demais,
porque em ti reconheço o que é lar.
Avanço sem medo se for pra te guardar,
teu cão fiel,
que só quer te amar.

Daniel André

Café da manhã apaixonado


Acordei-te
com um apaixonado bom dia —
voz rouca, sorriso no canto,
e aquele abraço
cheio de preguiça boa.

Enroscados,
respiração lenta,
beijinhos no rosto,
carinhos de quem sabe
o mapa da pele do outro.
E a terrível (e deliciosa)
vontade de nunca sair da cama.

Fui à padaria,
comprar sonhos —
aqueles com recheio doce
e os nossos, mais profundos.
Trouxe broa de milho,
dois pães, queijo minas,
frutinhas silvestres
e uma flor amarela-sol
pra enfeitar o nosso café.

Sentamos como crianças famintas,
mas nos beijávamos como adultos
que sabem do gosto
de um amor inteiro.
O tempo?
Corria, sumia...
mas não nos importava.

Estávamos conectados
no fio invisível das almas,
alimentando os corpos
e a paixão —
com garfos de ternura.

Voltamos a nos amar.
O fim da tarde já raiava,
mas nossos corpos,
colados de romantismo,
ainda insistiam em ficar.

Até que o próximo
bom dia
viesse, mais uma vez,
nos acordar.

Daniel André

Sorriso de lado


Teu sorriso de lado —
um anzol bem lançado
na carne do meu querer.
Ou será uma isca suave,
desprevenida,
vagando pelos mares da vida
só pra me prender?

Teu sorriso de lado
é farol e tempestade,
esperança que seduz,
fortaleza com vontade.
Contigo por perto,
não há fraqueza —
só pele pedindo
pra ficar mais perto.

Carrega mistérios
no canto da boca,
um segredo em silêncio
que me deixa sem roupa
por dentro.

Desarma meus receios,
arranca meu embaraço,
e deixa no ar,
um caloroso refrigério —
feito brisa que arrepia
de leve...
e depois queima devagarinho.

- Daniel André

10 de julho de 2013

Grito-Relógio


Carrego uma bomba no peito,
tic-tac em carne viva.
A cada segundo, a paciência some —
vira fera, vira grito, vira ira ativa.

Sou como um mudo faminto de verbos,
ou um paralítico sonhando correr.
Minha voz é raio que rasga o silêncio,
um trovão que vem pra estremecer.

Não é só meu grito — é revolta ancestral,
pra libertar o mundo do engano.
Dos podres poderes, das máscaras falsas,
dos que te mantêm dormindo, ano após ano.

Meu grito, teu grito — é sirene desperta.
Gritarei até a garganta falhar.
Com a fúria da coragem,
e a bravura de quem cansou de esperar.

Se é guerra contra o sistema,
que venha a luta sem fim.
Pois eu serei a explosão que avisa:
o amanhã começa por mim.



Daniel André