Sentado no centro de um salão vazio,
ecoando risos que já se calaram,
segurava-me — sóbrio por teimosia —
num copo morno de cerveja esquecida.
Engoli a última gota da saudade,
sentindo-a escorrer por dentro, lenta,
como os anos, que já não correm por mim,
mas me atravessam em silêncio, como vento.
Comi meu pedaço de torta de maracujá,
mastigando lembranças com gosto ácido,
recheadas de imagens embaçadas
de tempos que pareciam eternos — e não eram.
Estourei bexigas infladas de mágoas,
outras flutuaram, fugindo pela janela aberta.
Ali foram meus amores... e eu fiquei,
com a paz construída sobre os estilhaços.
Ganhei, de presente, rugas e discernimento,
e a amarga sabedoria de que o tempo
não fala — mas ensina.
Um mestre invisível, de olhos eternos.
Alguns me abraçaram com alma e verdade,
outros, apenas farejaram oportunidades.
E ali compreendi: nem todo afeto é sincero,
mas toda ausência deixa vestígios.
Quando a música cessou, tudo virou lembrança:
fragmentos repetidos nas páginas de um livro
que não escrevemos sozinhos,
e que insistimos em chamar... de vida.
— Daniel André