Meu corpo fértil de jequitibá-rei
foi por ela escolhido —
a estação mais singela —
para abrigar a gestação da flor.
Fiquei tão delicado quanto a gota d’água
que escorre das folhas que tocam o céu,
fazendo cócegas nos pés de Deus,
rindo, em segredo, com o vento.
A primavera, então, beijou minha boca
e provou meu amor —
fruto tranquilo de vermelho pitanga,
a doçura que amadurece na alma.
Nas costas de um beija-flor, voei.
Beijei as flores. Senti o perfume
cítrico-amadeirado misturar-se ao orvalho —
era o coração da manhã me abraçando.
Os ipês dançavam com o vento,
espalhando alegria em pétalas roxas e douradas,
que caíam como bênçãos sobre o chão molhado.
Estava explícita minha vontade de florescer,
de me abrir à vida, de amar sem medida.
E foi por isso, eu sei —
que a primavera voltou…
e beijou, outra vez, a minha boca.
Daniel André