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Vou mostrando como sou, e vou sendo como posso. Insta: @danielrprj

30 de outubro de 2016

A Navalha do Tempo


De qualquer forma,
é preciso que o passado esteja sepultado —
não por esquecimento,
mas para que o presente
não sangre o futuro.

Certos laços não merecem nós.
Alguns vínculos são espinhos disfarçados.
E há uma frase gotejando num muro antigo:
"Insista, e o castigo virá."

É a teimosia da alma,
a gangorra torta entre razão e emoção,
a roda cármica girando,
enquanto o coração, cego,
segue o eixo do que arde.

Uma navalha corta o tempo —
rasga fotografias, dilui caligrafias.
Minhas mãos cobrem meu rosto,
não por vergonha,
mas como quem ergue escudos
contra o redemoinho tóxico
de uma culpa herdada e mal lavada.

Ainda assim…
as águas nascentes me atravessam.
Brotam tímidas, mas vivas.
E por dentro,
sinto um rio de esperança
redesenhando sua rota
na topografia da minha dor.

Daniel André

7 de maio de 2016

A caverna

A entrada da caverna deslumbra.
Encanta a retina,
abranda a alma.
Hortênsias gentis, violetas abertas,
sensitivas em festa.

Lá dentro, o mistério não assusta.
Paredes contam histórias em sangue,
figuras rupestres gritam silêncio.
Estalactites choram
em gotas tímidas,
intumescidas de tempo.

Ali, vidas estranhas florescem
sem jamais ter visto o sol.
Habitam uma tristeza densa,
moram em cavernas da solidão.

Cego da visão —
descubro o mundo com os dedos.
O eco me guia.
O som é bússola.
A ausência de luz me revela.

Mais adiante,
há um fim que brilha.
Pedras preciosas disfarçam abismos.
E eu sorrio —
com um sorriso que sabe:
nem toda luz é salvação.


Daniel André

28 de fevereiro de 2016

Zazen


O véu do oceano invisível
ergue o céu das verdades ocultas.
Nam myōhō renge kyō,
que chova compaixão absoluta.

A humanidade se perde em si,
nós que deveríamos ser corrente,
elos frágeis, rompendo ao vento —
penso. Rezo. Silente.

A estrutura da vida é um sopro,
brotando de uma muda discreta.
Sou só mais um ponto de luz,
zazen, na palma do Buda que medita.

Daniel André