Chega a roçar o instinto,
essa negação da própria essência —
um esforço quase automático
de caber em moldes impostos,
em mundos projetados por outros.
Muitos já esqueceram o próprio poder
ou talvez nunca tenham descoberto.
O negro,
um povo um dia acorrentado,
hoje nega a história
e veste a pele do opressor —
sem perceber que a prisão
ainda é racial,
mas agora vem disfarçada de aceitação.
O homem gay,
para sobreviver à norma,
encena um papel hétero,
esconde o amor e
julga quem ousa ser livre —
com medo de ver no outro
o reflexo do que nega em si mesmo.
A mulher,
submissa por tradição,
ainda carrega nos gestos
os resquícios do patriarcado —
sem notar que o machismo
não ficou no passado,
apenas mudou de roupa.
O pobre,
condicionado ao silêncio,
não questiona a lógica da escassez
nem o teatro da democracia
que se encena para os ricos
enquanto se fecha a cortina
para quem vive na plateia vazia.
A religião,
que um dia quis religar,
hoje constrói muros,
divide,
luta por território como império em guerra.
O que era fé,
virou fronteira.
O que era valor,
virou arma.
— Daniel André