Quem sou eu

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Vou mostrando como sou, e vou sendo como posso. Insta: @danielrprj

29 de setembro de 2013

O Amor Que Me Rasga

Rego
Minhas chagas com lágrimas mudas,
Derramadas por venerar-te demais.
Desrespeitei o instinto de sobreviver,
E mergulhei cego no curso do teu rio.

Retiro
Do peito, um a um, os pregos doces,
Cravados com o toque da tua ternura.
Como é cruel esse carinho que sangra,
Mas que peço, mesmo na tortura.

Deixa-me
Acalentado na tua incerteza,
Ainda assim, escolho sofrer em ti
Do que existir no conforto morno
De um mundo onde tu não estás aqui.

Entendo-te
Meu amor, mal-amado e confuso,
Tens prazer em dilacerar minha alma.
E eu? Eu só sei que amar-te
É uma forma nobre de perder a calma.

Apoderaste-te
Do espírito, da razão, da luz.
Essa dor perfeita me embala no sono,
Senhora ingrata do meu coração sem escudo,
Rainha de um trono onde jaz meu abandono.

Doloroso
É sentir-te, mesmo à distância,
Mas aceitaste esse destino cruel —
Só posso amar-te quando não estás,
E te perco toda vez que sou fiel.

— Daniel André, com bisturi poético

28 de setembro de 2013

A Visita


À noite, janelas abertas,
O desejo paira, quente no ar.
Um vulto espreita no silêncio,
E um corpo, na cama, a esperar.

A barba roça tua pele nua,
Seda viva sob minha mão.
Teu suspiro vira convite,
E eu aceito — sem hesitação.

De bruços, tu vagueias em sonho,
Mas acordas no toque atrevido.
Sou cafajeste com alma de poeta,
E em teu cio, sou bem-vindo.

Minha boca percorre teus contornos,
Dos ombros ao mais discreto lugar.
Línguas e pernas em laços,
O chão vira o leito do amar.

Ofegantes, rimos do caos,
De corações batendo sem pudor.
Te deixo entre travesseiros e suspiros,
Beijo a testa, deixo uma flor.

Saio por onde entrei, sorrindo,
Ao longe, teus ecos ainda a gemer.
Sou amante à moda antiga:
Chego sem avisar — e te faço esquecer.

— Daniel André

Chuva de Doçura


As crianças não dormiram.
Algumas, disseram, acordaram os galos
pra o dia nascer mais cedo —
sabiam:
uma chuva de doces
ia cair do céu.

Foram pra escola de olho nas nuvens.
A professora, com giz na mão,
escrevia no quadro a lição:
"Prestem atenção no que é divino agora,
pra no futuro… ser boa gente de coração."

O sino tocou forte.
O fim da aula soou como mil sinos.
No céu — um temporal colorido
ficou parado, promissor.

Grãozinhos de quichute
correram pras ruas,
mochilas abertas,
fazendo escarcéu no ar.

Doces desciam dos céus e das janelas.
Crianças cruzavam becos, gramados,
sorrisos nos pés,
mãos nas alturas.

A vizinhança ajudava o milagre:
guloseimas, brinquedos,
papéis brilhantes,
e um amor antigo por São Cosme e Damião.

Corriam anjos pequenos,
com suspiros, pirulitos,
doce de amendoim,
mariola, pipoca de arroz,
e aquele doce de leite que gruda na alma.

Tinha chiclete Ping Pong,
balas Juquinha, maria-mole,
paçoca, jujuba, geleia enrolada no papel,
guarda-chuva de chocolate,
doce de abóbora bem fiel.
E depois —
um copo gelado de Grapette de uva,
pra selar a comunhão da infância.

Nos rostos, alegria escorria.
No corpo, o cansaço do corre-corre,
mas nos olhos…
o brilho de quem só queria
um colchão de algodão-doce
pra dormir abraçado com o dia.

E para quem tem fé e acredita:
Salve São Cosme e São Damião!

- Daniel André


23 de setembro de 2013

Flores em Desfile


Um desfile de Angélicas deslumbrantes,
Amarílis, Crisântemos, Delfins radiantes.
Perfumadas, vaidosas, em cores sutis —
Orquídeas e Gardênias, mil matizes sem fim.

Eram deusas que o dia fazia nascer,
Com bocejos que ninguém podia ouvir.
Brincavam de dança pelas calçadas,
Anunciando que a primavera ia florir.

Uma delas saiu como quem floresce,
Revelando a mulher por trás da timidez.
Entre fios de cabelo e um gesto suave,
Se permitiu o atrevimento, de uma vez.

Moça com flor no cabelo encantado,
Roubou o olhar das irmãs em festa.
Sou um cravo, rubro e desavisado,
Que se perde no riso de quem me resta.

— Daniel André

22 de setembro de 2013

Amemos !


Foram tantas gargalhadas
que aquela noite,
ah... aquela noite —
jamais adormecerá.

Que eu te ame,
que tu me ames,

Amemos!

Conversamos sobre Nietzsche,
e ali, entre goles e ideias,
descobrimos que a única religião,
a mais pura sobre esta Terra,
nos olhos de algum Deus distraído,
só pode ser o amor.

Amemos!

Ouvimos Novos Baianos,
secos... molhamos o que era seco,
fumamos a vida em papel de riso,
e, sem perceber, estávamos ali:
sentados, quase cochilando —
e nascendo.
Era ele.
O amor.

Amemos!

Sabíamos de quase nada.
E mesmo assim,
encontramos espelhos,
desacertos,
e discutimos como filhotes de algo vivo.
Foram tantos encontros
que o tempo...
esqueceu de passar.

Amemos!

Peguei tua mão.
Olhei fundo,
nessas bolinhas de Vênus que carregas.
Tu me olhavas com candura,
e eu, num sopro de coragem,
aproximei a boca da tua
e disse o que sempre soube:

"Sempre te amei."

Amemos!


- Daniel André.

15 de setembro de 2013

Outono no Quintal da Alma

Caem, suaves, as folhas de outono,
crianças correm, rindo no gramado —
o quintal se enfeita em poesia,
com o clima manso, abençoado.

Sou brisa que se espalha no chão,
feito folha livre em despedida.
No peito, um sol sereno acende
o calor simples da vida.

O verde se veste de amarelo,
renovação que chega sem pressa.
Em outono, o coração colhe
frutos que o afeto começa.

Nos dias de luz delicada,
acolho o ciclo que me alcança —
a aurora boreal do espírito
sorri em lampejos de esperança.

Daniel André



A fotografia foi captada pelo meu grande amigo e companheiro, o fotógrafo Nil Barros, na cidade de Nova Friburgo, região serrana do interior do Rio de Janeiro.