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Vou mostrando como sou, e vou sendo como posso. Insta: @danielrprj

24 de setembro de 2020

Quando a Primavera Beijou Minha Boca


Meu corpo fértil de jequitibá-rei
foi por ela escolhido —
a estação mais singela —
para abrigar a gestação da flor.

Fiquei tão delicado quanto a gota d’água
que escorre das folhas que tocam o céu,
fazendo cócegas nos pés de Deus,
rindo, em segredo, com o vento.

A primavera, então, beijou minha boca
e provou meu amor —
fruto tranquilo de vermelho pitanga,
a doçura que amadurece na alma.

Nas costas de um beija-flor, voei.
Beijei as flores. Senti o perfume
cítrico-amadeirado misturar-se ao orvalho —
era o coração da manhã me abraçando.

Os ipês dançavam com o vento,
espalhando alegria em pétalas roxas e douradas,
que caíam como bênçãos sobre o chão molhado.

Estava explícita minha vontade de florescer,
de me abrir à vida, de amar sem medida.
E foi por isso, eu sei —
que a primavera voltou…
e beijou, outra vez, a minha boca.

Daniel André

8 de setembro de 2020

No Entardecer do Meu Sorriso


Na varanda do meu sorriso,
o dia alaranjado se despede,
e no fim suave de um domingo,
recebo um beijo astral do meu amor.

A vida, em perfeita sincronia, respira:
as estrelas, tímidas, despontam no céu,
famílias rezam à mesa e a carrocinha
de algodão-doce toca La Vie en Rose.

As araras seguem rumo ao horizonte,
desaparecem nas asas da noite que chega,
recolhendo, no silêncio, toda vida
para o repouso sagrado do escuro.

Dentro de mim, a solidão do universo
se esconde — mas carrego, em riso aberto,
o estandarte invisível da felicidade
no brilho sereno do meu olhar.

As begônias cochicham com as marias-sem-vergonha,
árvores bocejam preguiçosas no quintal,
e no ar — um doce perfume de jambo
me leva às memórias do que é essencial.

O balde vem cheio da água do poço,
estou nu, com um colar de osso.
A lua prateada escorre sobre meu corpo,
banho-me em bênçãos, de alma e de rosto.

Daniel André

4 de agosto de 2020

Pronome possessivo













Atravessei uma tempestade de pétalas
para mergulhar nas correntezas violentas
que desenhavam o mapa caótico
do espectro das minhas emoções.

Não percebi de imediato —
estava eu, inteiro, dentro de ti.

Desejei que teu desejo tomasse o meu corpo
com a urgência de quem já o conhece de cor.
Porque nós... não somos dois.
Somos a embriaguez do mesmo cálice,
o transbordamento do que não se explica,
o fim do vazio com nome e sobrenome.

Eu ganho vida no instante exato
em que me olhas com teus olhos —
pintados à mão com os sonhos que sonhamos juntos.
Ali, moramos.

No silêncio, que embala nossas ansiedades,
meus dedos decoram teu rosto
como se fosse o mapa da nossa história
desenhado no relevo da tua pele.

Das tuas costas nascem plantas,
dos teus arrepios, constelações.
Nos teus sorrisos mora a luz
que só acende quando estamos em combustão.

Nossas almas não se entrelaçam —
elas se fundem.
Mistura homogênea, essência única,
nosso amor é fórmula secreta,
código binário, pacto cármico —
e meu.
Tão meu quanto sou teu.

Demorei a entender, mas hoje sei:
a intimidade do nosso tempo
exige mais que presença —
exige pertencimento.
E agora, amor, não somos nomes:
somos um no outro,
em todos os pronomes possessivos da língua e da vida.

Daniel André

1 de agosto de 2020

Luz Da Alma!



O sol tocou minh’alma em silêncio,
dissolvendo feridas ancestrais.
Células dançaram em pura alegria,
e o apego à dor… já não volta mais.

No equilíbrio sutil de corpo e mente,
semeio gratidão, colho plenitude.
Estrelas florescem no céu presente
e alegram meu peito com quietude.

Meus sentidos se alinham, serenos,
na busca pela essência mais inteira.
Uma força antiga, doce e secreta,
se expande em mim — plena e verdadeira.

Creio no amor, na sua luz condutora,
em deuses que sussurram meditação.
Visualizo um mundo em pura aurora:
bênçãos que guiam a transformação.

 
Daniel André

25 de junho de 2020

Ilhas


Japamala entrelaçado nas mãos
invoco a paz entre os irmãos
e canalizo na respiração que transporta
o silêncio, a consciência e amor
a gota cósmica da vida,
que forma a unicidade do que é ser uma flor
ou uma fisgada nos sentimentos
que faz entender o sentido da dor
e nesse fio condutor 
tenho a singularidade a meu favor
não sou igual a ninguém.

Na fusão da emoção com o verbo,

a composição de um diário secreto
que por vezes, fingi ser esperto
mas é uma inocente ilha brilhante
tão presente e tão distante
como a pretensiosa flecha na velocidade da luz
que não consegue chegar ao teu cardio,
tardios encantos, quando as palavras
criaram asas para te substantivar negativamente.
 
Os ventos do sul, sopravam a primavera
e nela, as contas da meditação e flores
perfumadas trazidas para me abençoar.

Vi pétalas de rosas brancas voando
e senti um girassol nascer em meu peito.
Os sinos sufocados de apelo da alma,
tocaram com calma, para que fosse reintegrado
a cura, o carinho, a união.
Mãos entrelaçadas, somos ilhas querendo paz
e uma resposta para sua oração.
 
Daniel André.

3 de junho de 2020

Ecos de dor


Ainda estou na escravatura?
Sinto ecos de dor
chicoteando as minhas raízes,
a minha alma
só por ser,
quem eu sou.
A melanina do meu corpo,
viajou quilométricos mares
e séculos de sofrimentos,
banhando de progresso uma nação
com o sangue negro de açoites,
e não quer mais
se esconder em quilombos.
Estou sentindo, ouvindo a dor
só por ser 
quem eu sou
e a luta pela igualdade racial
irá ecoar, até que essa dívida histórica
seja paga com respeito.


Daniel André.

28 de abril de 2020

Quebra cabeças


Tenho pedaços de mim espalhados,
em rostos que nunca reconheci.
Olhares mistos — coragem e medo —
guardam versões que já perdi.

Minhas pernas, exaustas do caminho,
vagam por veredas sem direção.
Pés descalços tocam o alecrim,
em busca de chão... ou redenção.

Meus braços, firmes do antigo labor,
ergueram sonhos ao céu sem véu.
Minha vida? Um quebra-cabeça
maquiado à pressa por um pincel.

Trago no peito um coração antigo,
com raízes fincadas em poesia.
E estas mãos, aflitas de saudade,
tentam juntar o que a vida partia.

Daniel André

27 de março de 2020

O Vírus


Um vírus silenciou os afetos,
coroado por um mundo em rendição.
A distância, antes incômoda,
tornou-se abrigo e condição.

Multiplica-se em segundos, implacável,
não distingue cor, idade ou fronteira.
quando o ar se torna inabitável.
a classe social vira poeira,

O isolamento é o antídoto possível,
o gesto mínimo pela vida essencial.
E na janela — ruas mudas, cor cinza —
minha alma espera por um sinal.

O corpo, agora campo de batalha,
convoca glóbulos, hemácias, vigilantes.
Mas bom senso e empatia — tão urgentes —
não se vendem em farmácias, nem nas estantes.

Fui posto em quarentena,
mas é a humanidade quem precisa acordar
que os dias de solitude tragam, enfim,
os olhos certos para recomeçar.

E quando o vírus for história passada,
e o planeta exalar resiliência...
abraçarei com a ternura mais sagrada:
a vida, a saúde, e a ciência.


Daniel André

26 de janeiro de 2020

Relicário do Desejo


Recebe a nudez do meu relicário,
cobre com teus braços — e uma flor.
Guarda, no íntimo do teu sacrário,
a essência intacta do meu amor.

Permite que meu desejo navegue
nas águas fundas da tua emoção.
Não vim pra ficar só na margem,
quem ama de verdade… quer imersão.

Anseio o beijo com gosto de história,
com perfume de terra em flor nascida,
e a brisa do mar, leve na memória,
trazendo saudade em forma de vida.

Declaro em silêncio: preciso de ti.
Com teu mistério velado em véu etéreo,
guardo um bouquet de Muguet du bois...
Mas diz: teu amor também é sério?


Daniel André.