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Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil
Vou mostrando como sou, e vou sendo como posso. Insta: @danielrprj

20 de maio de 2015

O Batismo com a Mãe Natureza

Eu era um homem antes da água.
Um homem comum, desses que carregam civilização nos bolsos
e poeira nos pensamentos.

Daí cheguei numa lagoa que parecia inventada.
Intocada como segredo de passarinho,
escondida nas barbas velhas das árvores 
barbas tão longas que coçavam o tempo.

Resolvi me desimportar de mim.
Entrei na água.
Era azul de doer ternura.
E o silêncio tinha música de coisa viva
que não precisa de instrumentos pra ser.

Quando mergulhei, minhas lembranças se desmancharam
feito sal em rio profundo.
A terra úmida me segurou as ideias,
a fertilidade das coisas mínimas me explicou
que existência mesmo é esse povo miúdo
que vive de inventar vida sem pedir licença.

Meus ombros viraram barbatanas.
Remei contra minhas velhas dores transparentes
e ouvi a água me dizer, com voz de avô líquido:
“Te ajeita aqui, criatura. A luz é pra todos.”

Eu senti, e não foi sentir de faz-de-conta 
as árvores respirando lento ao meu redor,
os galhos finos rezando com dedos verdes,
pássaros roçando nuvens só pra exibir canto,
e insetos fabricando milagres com asas
como quem borda o mundo sem vaidade.

Fiquei plantado. Enraizei.
Cresci pra dentro.
Virei semente que sonha floresta
e floresta que sonha gente.

Agora escuto o pulso do planeta
que não é coração, mas é.
Bate no meio do viver.
Bate dentro de mim.

Foi nessa lagoa antiga
que eu vi.
Que eu senti.
Que eu sorri com leveza de coisa entendida.
E agradeci, baixinho,
por ter me reencontrado com minha primeira mãe:
a Natureza.

- Daniel André

5 de maio de 2015

O observador


Abro os olhos:
a manhã se inventa devagar.
Rego plantas, deixo a casa
e largo um pedaço de mim.

Na rua, a lua insiste,
abelhas rabiscam o ar,
o cheiro de mel
me lembra que o mundo ainda tenta.

No café, falam de futebol.
 — O Flamengo venceu
milagre doméstico
que sustenta conversas e sobrevivências.

Tião anuncia manchetes pesadas.
A violência repete seus versos,
mas o dia, teimoso,
segue sem pedir desculpas.

Crianças brincam na esquina:
metade riso, metade lágrima.
A vida sempre divide
o que a gente tentaria guardar inteiro.

Vejo espertos demais,
que acreditam controlar o mundo,
e artistas de rua
que criam para não desaparecer.

Mesmo assim, a bondade
lateja onde ninguém vê:
gestos miúdos,
corações que acendem sombra.

O dia corre, cansado.
Eu corro com ele.
À noite, deito minhas pernas
e meu resto de esperança.

Nos sonhos,
saudade e amor me observam,
e uma estrela distraída
me vigia.

 — Daniel André